quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Destaladeiras de Fumo de Arapiraca


“Ao lançar o CD Cantos de Trabalho, o SELO SESC corrobora seu papel de apoiar o registro e a difusão da obra de artistas que possuem a faculdade de provocar rupturas e suscitar o inesperado e, ao mesmo tempo, atender ao compromisso da instituição de apoiar ações voltadas para a educação e para a diversidade da cultura brasileira.” 
Danilo Santos de Miranda (diretor regional do SESC/SP)
JANGADA BRASIL
Destaladeiras de Fumo de Arapiraca
Com a expansão da cultura de fumo em Arapiraca, a partir da década de 1920, cresceu, também a necessidade de mão de obra e assim convergiram para Arapiraca trabalhadores de várias regiões do Nordeste, que foram trazendo em suas bagagens, costumes, folguedos, crendices, seitas, cantos, os quais foram se adaptando à primitiva cultura já existente e assim se concentrou um sem número de cantigas que há mais de meio século são cantadas na época da colheita de fumo pelas mulheres que retiram os talos de folhas de fumo as conhecidas destaladeiras de fumo.
Estando o Município de Arapiraca, situado no Agreste alagoano, entre a Zona da Mata e a do Sertão, essas regiões muito contribuíram e exerceram grande influência na formação dessas cantigas utilizadas nas colheitas. Na Mata temos o coco, a cantiga de roda, o reisado. No sertão, o aboio, a toada, a cantoria de viola, a cantiga de eito. Todas essas manifestações folclóricas influíram decisivamente na formação das cantigas de salão de fumo que as mulheres entoam, sentadas no chão, afastando o sono enquanto destalam folhas e que, com o passar do tempo, foram adquirindo características próprias, constituindo uma manifestação do povo da região fumageira…
… Entoando essas cantigas, muitas cantadeiras marcaram época nos salões onde cantavam, tirando os versos: Maria de Lima Araújo, Rosa Leite, Detinha, no bairro de Cacimbas. Maria Julieta, Maria Neuza, Amália, Luzia, Rosa Macário, no bairro de Baixa Grande; Joana, Regina, Nina Vital, no Alto do Cruzeiro; Júlia, Rosália, Maria de Lourdes, Angelita, no sítio Mangabeira; Alice Alves, na Lagoa de Pedra; Lourdes Zacarias, Zeza, na Fazenda Pernambucana. Essa cantigas em forma de trovas, ( rimas ABCD ), sem acompanhamentos musicais, são entoadas em várias vozes, formando um só coro harmonioso no estribilho, com uma só voz no improviso dos versos geralmente tirado pelas líderes do salão. Se o refrão da cantiga agrada em cheio, elas cantam até durante horas; mas, normalmente, as destaladeiras mudam a cantiga para não esfriar o entusiasmo:
Essa cantiga já tá veia
Tá boa de remendá
Com taquinho de pano novo
Uma agúia e um dedá.
E assim elas estimulam cada vez mais, mantém o salão em permanente alegria, evitando o tédio ou o sono, usando sátiras, ironias, chistes, gracejos espirituosos que são mais das vezes interrompidos por uma algazarra geral:
Eu agora vou casá
Se eu casá eu vivo bem
Se eu ficá no caritó
Não é da conta de ninguém
E principalmente versos românticos impregnados de lirísmo, reminiscências puras do romantismo do século passado que o sertão nordestino conservou talvez como nenhuma outra região brasileira e que são geralmente dedicados pelas destaladeiras aos rapazes solteiros – bem amados:
Eu tranquei na mão um riso
De tua boca mimosa
Quando eu fui abrir a mão
Tava toda cor de rosa
Existe ainda os versos que as destaladeiras empregam para chamar alguém, fazer interrupções, pedidos, insinuações, juntos aos proprietários como observamos nessa estrofe:
Feche a porta e abra a porta
Sem bulir na fechadura
Se eu fosse o dono do fumo
Oferecia rapadura
Muitos usados também eram os chamados versos de maltratar que as destaladeiras cantam quando querem xingar alguém que não mais desejam:
Quem quisé comprá eu vendo
Um amor que já foi meu
Uma banda tá inteira
E a outra a barata roeu
Como acontece com várias manifestações folclóricas, as destaladeiras também gostam de render homenagens, fazer louvações a lugares, a proprietários, algum visitante, em versos improvisados nos salões de fumo.
Oh, que estrela tão bonita
Do lado de Murici
Só comparo aquela estrela
Com uma pessoa d’aqui
Nas cantigas das destaladeiras observamos os mais variados temas: do lírico ao sarcástico, do satírico ao irreverente, do espirituoso ao chamado verso de roedeira, que também é conhecido como paixão recolhida.
Quem me dera eu vê hoje
Quem tá em meu pensamento
Meu coração toma um susto
Meu corpo toma um alento
Um fato curioso no entanto, nos chama a atenção nessa pesquisa: não conseguimos registrar um só verso contendo reclamações ou desprezo pelo trabalho, não há lamentações nas cantigas da colheita de fumo, daí concluímos que existe um grande contentamento no ambiente onde elas executam a tarefa.
O galo cantou, cantou moreninha
O dia manheceu, manheceu
Hoje aqui neste salão, moreninha
Quem canta mió é eu
Os temas empregados no apogeu dessas cantigas, nas décadas de 1940 e 1950, retratavam o meio ecológico da época: árvores, frutas, flores, pássaros, açudes, que ainda não tinham sido devastados pelo homem , para dar lugar a cultura de fumo.
Catingueira ramaiúda
Descanso dos passarinhos
Quem me dera eu descansá
Nos teus braços um bucadinho
… também convém ressaltar que muitas dessa cantigas de salão de fumo já foram publicadas, plagiadas e até gravadas com modificação da letra, da música e do ritmo. Mas, essas cantigas são anônimas, produtos da invenção do povo simples da roça.
E assim, as mulheres trabalham melhor durante horas à fio, na destalagem e seleção das folhas para formar o rolo, em salas, salões ou armazéns utilizados para a tarefa. Essas “cantigas de salão de fumo” como são conhecidas em Arapiraca, sempre constituíram uma grande atração na época da colheita, quando um imensa alegria tomava conta dos salões e ouvia-se a longa distância, a cantilena das destaladeiras. É pena que essas cantigas, autênticas manifestações, tão apreciadas pelo povo, não continuem com a mesma frequência do passado, vítimas que foram à evolução tecnológica implantada na região nos últimos anos da década de 1950, quando em Arapiraca se instalaram importantes firmas internacionais que passaram a explorar o comércio de folhas de fumo, proibindo as destaladeiras de cantar no trabalho de seleção das folhas, alegando que, além de fazerem barulho, diminuíam a produção diária dos armazéns. Hoje, elas trabalham caladas nos armazéns, sem conversar ou fazer qualquer ruído.
As cantigas tiveram seu período áureo nas décadas de 1940 e 1950; até o ano de 1959 as “destaladeiras” cantavam muito nos salões de fumo e se deleitavam, cantando versos de amor o dia inteiro, numa alegria contagiante e que atingia o seu ponto máximo no chamado derradeiro dia de fumo, quando era encerrada a destalação da safra e o patrão oferecia uma buchada de um carneiro gordo, bem como um forró acompanhado ao som de harmônica e muita bebida para comemorar o encerramento da colheita. Foram dias memoráveis os derradeiros dias de fumos nos salões da fazenda Seridó, fazenda Ouro Preto, fazenda Pernambucana. Eram verdadeiras festas, com os salões enfeitados e as destaladeiras bem inspiradas com o vinho, cantando versos de despedida:
Rapaziada adeus, adeus
Adeus, adeus que já me vou
Eu levo pena e saudade
Do moreno que ficou
Adeus Cajueiro
Adeus Cajuí
Adeus que eu vou-me imbora
Para o ano eu volto aqui
Despedida meu bem despedida
A nossa função se acabou
Vamos deixá para o ano
Se nós todos vivo for
[ Fonte: www.jangadabrasil.com.br ]
SESC Pompéia / SP
O trabalho e o canto das mulheres de Arapiraca no palco do SESC Pompéia
( 29 de Novembro de 2007 )
A Cia. Cabelo de Maria: Felipe Dias (violino), Lucilene Silva (voz e percussão), Renata Mattar (voz e sanfona) e Gustavo Finkler (violão e viola caipira). Com participação especial de Ceumar, as vozes e memórias das destaladeiras de fumo de Arapiraca viram CD e invadem o palco.
Pela segunda vez as Destaladeiras de Fumo de Arapiraca saem de Alagoas para mostrar ao público de São Paulo a força impressionante de suas vozes. O CD e o show [6 de dezembro, no Teatro do SESC Pompéia] são puxados pela cantora e pesquisadora Renata Mattar e sua Cia. Cabelo de Maria, e contam ainda com a participação da cantora Ceumar.
Além das mulheres de Arapiraca, as cantigas apresentadas vêm das descascadeiras de mandioca de Porto Real do Colégio (AL), das plantadeiras de arroz de Propriá (SE), da farinhada da comunidade de Barrocas (BA), da colheita de cacau de Xique-Xique (BA), da bata do feijão de Serrinha (BA) e das fiandeiras de algodão do Vale do Jequitinhonha (MG). Os arranjos tendem ao acústico, percorrendo diversos estilos e ritmos regionais brasileiros. As vozes femininas são apoiadas por violão, viola caipira e violino. A percussão é feita com instrumentos convencionais e com os próprios objetos utilizados em cada região.
Renata Mattar pesquisa cantos de trabalho há mais de dez anos. Conduziu gravações, participou de rituais e festas tradicionais, aprendeu versos e cantigas. A musicista viajou por diversas localidades de diferentes regiões do Brasil buscando comunidades que ainda trabalhassem em mutirão e que utilizassem a música na lida. O CD Cantos de Trabalho surge a partir das canções registradas em campo por ela e sua parceira Lucilene Silva.
Destaladeiras de Fumo: Trabalho e Canto
“Destalar” é retirar o talo ou nervura principal das folhas de tabaco para seu aproveitamento industrial. E é precisamente isso que o canto faz com o calejado cotidiano dessas mulheres: desfia, peneira, alivia, como um mantra.
“O público sai do espetáculo cantando, pois facilmente as melodias ficam fixadas na memória. Assim, já temos visto por aí algumas crianças brincando de roda com essas cantigas e, quem sabe um dia, irão lembrá-las ao embalar seus filhos, assim como fez minha mãe”, diz Renata.
Durante o show e a partir de 6 de dezembro, o CD “Cantos de Trabalho” estará à venda nas lojas das unidades e na loja SESC virtual.
o quê: Show de lançamento do CD Cantos de Trabalho | Cia. Cabelo de Maria, com Ceumar e Destaladeiras de fumo de Arapiraca
quando: 6 de dezembro de 2007, quinta, às 21 hs
onde: SESC Pompéia | Rua Clélia, 93 | tel.: 3871-7700
[ Fonte: www.sescsp.org.br ]
NOTÍCIA
Destaladeiras São Homenageadas no Memorial da Mulher
Por Departamento de Imprensa da Pref. de Arapiraca (29/10/2009)
Com a presença de diversas autoridades e representantes dos diversos segmentos da sociedade arapiraquense, a direção do Memorial da Mulher realizou, na noite de terça-feira (27), a abertura da exposição “ O Canto das Destaladeiras”.
A mostra é composta por equipamentos de salão de fumo e fotos que registram parte da história de vida da figura feminina nos salões de fumo, bem como a criação de uma expressão cultural tipicamente arapiraquense.
Durante a solenidade, que contou com a presença da secretária de Governo, Rita Nunes, a diretora do Memorial da Mulher, Kika Sousa, destacou a importância da manifestação artística para o desenvolvimento da cultura e da história nos 85 anos do município de Arapiraca.
Ainda durante o evento, o grupo das destaladeiras de fumo fez apresentação para o público presente ao Memorial da Mulher.
[ Fonte: www.arapiraca.al.gov.br ]
Canto das Destaladeiras Escapa da Extinção
Por Davi Salsa ( Colaboração: Mônica Nunes )
“Pisa Morena no caroço da mamona
você toma o amor das outras
mas o meu você não toma
Se tomar eu vou buscar
Pisa morena no caroço do Juá…”
A música ainda não é conhecida da indústria fonográfica -e tampouco toca nas rádios brasileiras- mas é, digamos, um hit entre os milhares de trabalhadores da agricultura de Alagoas e já vem sendo cantada em palcos de todo o País.
Os versos fazem parte de um conjunto de mais de 50 canções- já catalogadas- e que irão fazer parte do CD a ser lançado pelo Grupo de Destaladeiras de Canafístula – movimento cultural genuíno de Arapiraca, formado oficialmente no ano passado.
O álbum e um vídeo serão elaborados com recursos adquiridos por meio do Prêmio Culturas Populares, promovido pela Secretaria da Diversidade, do Ministério da Cultura, e que contemplou o Ponto de Cultura de Arapiraca “Cultura para o Desenvolvimento”.
O resultado desses trabalhos tem endereço certo e vai muito além dos fãs e admiradores que o grupo pretende conquistar: será entregue ao Memorial da Mulher Ceci Cunha. “ Será um presente que elas mesmas irão dar ao local, ampliando o acervo e deixando registrando um pouco da história dessas mulheres que fizeram o progresso da cidade”, destacou a presidente da Associação de Moradores de Canafístula, Mariângela Lopes Barbosa, vista como um anjo-da-guarda entre as 20 destaladeiras-cantoras.
Mulheres como a senhora Angelina da Silva, 72, viúva, mãe de oito filhos. Aposentada, ela vivia, até então, em estado permanente de depressão. “ Todos os dias eu arrumava minha mortalha. Agora, eu nasci de novo”, desabafou.
Quem canta os Males Espanta
Hoje elas são, sem exceção, o retrato fiel da alegria e do entusiasmo. Duas vezes por semana ensaiam a coreografia e a voz. Na agenda, aulas de canto em escola de música patrocinada pela Prefeitura de Arapiraca. Tudo para aprimorar uma vocação natural nascida através do ofício de destalar e juntar as folhas de fumo.
A profissão, multiplicada na região, por conta da ascensão da cultura do fumo, era praticada em grandes salões que reuniam milhares de pessoas.
Numa jornada de trabalho que atravessava a madrugada, na época em que os rádios eram raros, era comum- e necessário- que surgisse algo que divertisse o grupo, mesclado por homens e mulheres.
Coube a elas, no entanto, a criação de uma espécie de brincadeira e que passou a ser levada a sério por quase quatro décadas. A partir de um mote nasciam os versinhos.
“ Podia ser a fome, uma namorico novo ou até uma briguinha”, explicou Ana Xavier, 62, destaladeira por mais de 50 anos e cantora do grupo desde sua fundação. O canto, cantado na forma de quadrilhas, sextilhas ou até pé quebrado ( quando a rima não é obrigatória), ultrapassou anos, atravessou gerações, mas não resistiria aos novos ritmos da vida moderna.
A aplicação das leis trabalhistas, por exemplo. Afinal, já não é mais permitida a jornada de trabalho ampliada, a presença das crianças no trabalho e a chegada dos aparelhos eletrônicos trazendo músicas para os mais variados gostos musicais.
Mesmo resgatadas através do livro do historiador Zezito Guedes, denominado “As Cantigas das Destaladeiras”, as músicas estavam ameaçadas de extinção, pois não eram mais cantadas. Até que surgiu a primeira iniciativa de renascimento na Vila Fernandes, na zona rural de Arapiraca, e, mais recentemente, a do grupo de mulheres de Canafístula. Felizes da vida, literalmente, elas cantam. Fazem isso sem cerimônia e sobre qualquer pretexto. Ainda como no passado, improvisam ou repetem a ladainha dos tempos em que Arapiraca era conhecida como a Capital Brasileira do Fumo.
Tempo em que elas, anonimamente, construíram essa história de desenvolvimento e progresso. Hoje, vestidas em figurino apropriado e produzido por elas, as arrancam aplausos – como na apresentação de Juazeiro, no Ceará. Assim, mesmo com os dias contados para desaparecer dos salões de fumo, as cantadoras-destaladeiras trabalham pela preservação da espécie. Fazem isso através do Grupo de Canafístula e da formação de novos cantores formados pelo projeto Mestres da Cultura Popular Ação Griô, do qual Dona Angelina faz parte.
Nas escolas da rede pública municipal ela dá aulas de Cultura Popular e, mais ainda, de como é possível ser e fazer feliz através da arte. “ Hoje quero viver para cantar muito mais “, garantiu.
NOTA: Esta é a 2ª parte da reportagem, vencedora de um prêmio nacional, produzida pelos jornalistas Davi Salsa e Mônica Nunes. Leia a 1ª parte na postagem dedicada a Davi Salsa.
Fonte: AL Notícias.
[ Fonte: www.queremosjustica.com.br ]

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